UM DIA PARA REFLETIR
– Apanhou do marido? Deve ter merecido.
– Isso só aconteceu com ela porque não é uma mulher obediente com o marido.
– Foi estuprada? Mas também, você viu a roupa que ela usa? Estava pedindo.
– Foi promovida no trabalho/ganhou aumento? Isso não foi de graça. Deve ser amante do diretor.
– Você viu a cor do batom que ela usa? Coisa de vagabunda.
– Viu o decote do vestido justíssimo que ela está usando? MEU DEUS! QUE VULGAR.
– Não acha que deve usar mais roupas rosas na sua filha?
– Viu o homem que ela está namorando? Sim, ele é muito velho para ela. Pode ver que quer dar o golpe.
– Mulher direita não bebe.
– Mulher não pode falar palavrão.
– Mulher que transa no primeiro encontro não serve para casar.
Sabe o que é vulgar?
O seu preconceito camuflado de boas intenções.
Sabe o que não precisamos?
Da sua opinião invocado em nome da moral e dos bons costumes.
Eu poderia iniciar o artigo de hoje falando dos antecedentes históricos que motivaram a escolha deste dia como sendo o “dia internacional das mulheres”, porém, melhor que falar do passado (que é muito importante) é contextualizar o presente. Certamente você já deve ter escutado ou até mesmo falado — ainda que involuntariamente — as frases em epígrafe e foi pensando nisso que iniciei o artigo com elas.
Devo lembrá-los, caro leitor, que hoje não é dia de “comemoração” com recebidos de flores, chocolates ou voucher manicure. Essas campanhas são completamente vazias de conteúdo, pois, este dia é muito mais importante e com uma simbologia muito maior sobre luta de classes, direito de fala, reivindicar seu espaço na mesa e decisão. É um dia para se falar ainda mais sobre respeito com as mulheres, igualdade salarial e de cargos entre os sexos, é sobre empoderamento, é sobre ativismo, é sobre revolução.
Alerta de spoiler: “é sobre acabar com o machismo e não para aniquilar os homens”.
Gostou? Tá gostado. Não gostou? Foda-se!. Supere o seu preconceito.
Há quem possa invocar p texto sagrado para alegar “mas a bíblia fala que a mulher deve obediência/submissão ao marido”, porém, é meu dever te falar que o contexto exposto nesta passagem é completamente diferente. É preciso ler todo o capítulo a fim de compreender sua mensagem, pois, o contexto exarado na bíblia fala de respeito e igualdade entre os pares.
A questão discutida é apenas uma: a liberdade de sermos nós mesmas, sem estigmas ou paradigmas impostos sobre o que a mulher deve ou não fazer ou como ela deve se comportar. Não somos melhores que ninguém e esse debate não é sobre supremacia feminina ou de ter mais direitos que os homens, pois, o objetivo nunca foi esse. Até porque se formos debater sobre esse aspecto tenho a obrigação de dizer que a história não é bem assim, pois, se alguém teve “regalias” na história da humanidade foram os homens, e se mesmo assim você discorda, segue a tarefa da semana de leitura obrigatória:
- Código Filipino: vigorou no Brasil por 350 anos;
- Código Criminal de 1830 e 1890;
- Código Civil de 1916: vigorou no Brasil até 2002;
- Recurso Especial nº 1617/1991.
A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio não são regalias legislativas ou leis de opressão ao sexo masculino, muito pelo contrário. Estamos falando de medidas de proteção à mulher, pois, o discurso de “defesa da honra a forte emoção” já é ultrapassado e não faz mais sentido.
Os livros de história e as leis estão aí para não me deixar mentir, inclusive, vale lembrar em um passado recente a mulher casada era considerada incapaz — daí porque o conceito de patroa no dicionário era “mulher do patrão” –, pois, era proibida de trabalhar fora de casa e devia obediência ao marido em uma época em que o patriopoder era vigente, ou seja, não se falava em poder familiar.
Com a emancipação da mulher foi verificada a necessidade da edição da Lei nº 6015/1977, fala sobre registros públicos, uma vez que não se viu mais necessário o regime de comunhão universal de bens. Esse regime de bens era obrigatório, pois, a mulher casada era considerada um objeto de propriedade do marido. É uma aberração pensar que a mulher não poderia tomar posse da sua propriedade ou herança, pois, a partir do casamento ela era tutelada pelo marido.
Por muito tempo na história, pelos mesmos motivos citados anteriormente, a mulher não tinha o direito de fala, decisão sobre qualquer coisa, bem como, o direito ao voto. Este último foi um dos desafios mais audaciosos do movimento sufragista. Significa dizer: um movimento social, político e econômico que teve como objetivo conquistar o direito ao voto às mulheres — aqui deixo outra lição para casa: filme “Suffragette”, disponível no Youtube gratuitamente — movimento este formado por mulheres para agitar a sociedade e os membros do mais alto escalão político.
Foram mulheres que assumiram uma postura incomoda na sociedade com a consciência de que haveria represálias dos conservadores, uma vez que a moral e os bons costumes são as únicas verdades absolutas desse pessoal que insiste — até hoje — em dizer que a mulher age só com a emoção, menosprezam o sexo feminino e o nosso intelecto, desvalorizam e prejudicam nossas lideranças.
O ponto chave da questão é: este dia mulher fala sobre representação e reivindicação do nosso espaço na mesa de decisão.
Somos muito mais fortes juntas e unidas, somos talento, somos razão, somos revolução, somos luta, somos resistência.
Sabe por quê?
Porque nunca foi sorte.
Não somos sexo frágil coisa nenhuma.
Mulheres levantam mulheres.
Mulher independente não aceita opressão.
Se valorizar é entender que não somos melhores do que ninguém.
Porque a torre é nossa.
Porque somos competentes.
Porque podemos decidir por nós mesmas.
Somos donas da nossa vida.
Queremos ser tratadas com respeito.
Não queremos andar na rua com medo.
Porque somos fortes.
Porque nos reinventamos.
Porque devemos ser o que quiser sem ser julgada.
Porque “por muito tempo na história o anônimo era uma mulher” (Virginia Woolf)
Simplesmente porque não queremos que indivíduos controlem a capacidade reprodutiva, sexualidade, capacidade de trabalho, interdição do acesso ao poder, divisão das tarefas domésticas, é sobre igualdade e representatividade das mulheres.
Para quem adora dizer “mas eu não preciso de feminismo para viver” eu só tenho uma coisa para lhe dizer, você não precisa ser militante para entender a importância do movimento, mas precisou muito do feminismo para ter a sua liberdade garantida, e exemplo disso:
- 1916: o marido era autorizado, por lei, em castigar fisicamente a esposa;
- 1932: a mulher conquista o sufrágio universal;
- 1962: a mulher deixa de ser considerada civilmente incapaz;
- 1967: a discriminação contra a mulher foi considerada incompatível com a dignidade humana;
- 1988: a constituição federal brasileira consagra a igualdade entre homens e mulheres;
- 2002: o termo patriopoder foi substituído por poder familiar;
- 2006: criação da Lei Maria da Penha e cria mecanismos de proteção contra a violência doméstica;
- 2015: Feminicídio passa a ser uma qualificadora do crime de homicídio;
- 2018: importunação sexual é caracterizado como crime.
E para quem acredita que isso tudo é MIMIMI, só te digo uma coisa:
Não é MIMIMI, é misoginia, é descriminação, é feminicídio.
Esse discurso e esse texto é para insistir mais uma vez que queremos respeito, seja em casa, no trabalho, na balada ou andando sozinha na rua. Neste dia mulher não queremos flores — não temos nada contra as flores — queremos igualdade de condições, queremos equiparação salarial entre os sexos.
Queremos que as empresas compreendam que este dia é sobre quebrar paradigmas, pois, brindes sem significados só demonstram e reafirmam estereótipos de gênero e reforça a imagem inferiorizada da mulher. Em um ambiente profissional almejamos reconhecimento sobre o potencial, coragem, competência, liderança e que muitas vezes são características imputadas ao universo masculino.
Dados indicam¹ que mulheres ganham menos que os homens em sua grande maioria, inclusive, a mulher possui menos chances de ocupar cargos de liderança ou de tomada de decisão e quando mães o mercado de trabalho fecha as portas.
Precisamos de soluções efetivas e urgentes para combater essas problemáticas. É possível averiguar que os exemplos citados são mais frequentes do que imaginamos dentro da sociedade. Empresas costumam fingir que isso não é um problema e acabam lavando as mãos para se eximirem da responsabilidade de mudar esta cultura.
No entanto, para que a mudança ocorra é necessário fazer parte dela, ouça e dê abertura ao diálogo sobre o tema para instigar os funcionários e assim demonstrando que a empresa está disposta em ouvir, aprender e melhorar suas políticas internas.
Empodere sua equipe com atitudes e mudanças efetivas, como por exemplo plano de carreira com incentivos de palestrantes e treinamentos com mulheres sobre a temática. Faça a diferença e contrate empresas de consultoria para ajudar nessa fase de reeducação de políticas, pois, nada adianta o RH preparar uma “lembrancinha” para o dia internacional da mulher só visando cumprir com um engajamento comercial.
É preciso que empresas façam uma programação antecipada destes eventos para que as mulheres sejam incentivas e reconhecidas de fato com o fulcro de ocuparem seus lugares nos conselhos administrativos, mas é importante a inclusão dos homens neste debate.
Incluir homens como parte na mudança é essencial para a desconstrução deste estigma, ou seja, todos devem fazer parte da solução. O time precisa estar engajado na causa a fim de compreender que certos pensamentos são dos séculos passados e não combinam nenhum pouco com o cenário de voz ativa das mulheres.
Provocar um debate desta luta é de extrema importância para a desconstrução desses paradigmas existentes desde os primórdios. Já passou da hora de mudar esse comportamento pré-histórico, uma vez que ao longo da história as mulheres sempre foram reduzidas, esquecidas, humilhadas, massacradas, destituída do seu poder, de sua propriedade e da liberdade do seu próprio corpo.
Mesmo diante de todo o impasse social criado em torno da imagem da mulher obediente e dona de casa não nos conformamos, não desistimos de provocar a mudança neste mundo indo até as ruas para reivindicar melhores condições e o nosso espaço social. É com esse discurso que descrevo alguns nomes de mulheres importantes para a história na humanidade e na maioria das vezes não são citados nos livros da escola.
- Bertha Lutz;
- Aqualtune Ezgondidu Da Silva;
- Cora Carolina;
- Joana D’Arc;
- Dandara;
- Ayn Rand;
- Maria Da Penha Maia Fernandes;
- Chica Da Silva;
- Frida Kahlo;
- Nina Simone;
- Françoise Barré-Sinoussi;
- Isabel Morgan;
- Tu Youyou;
- Florence Rena Sabin;
- Mary Wortley Montagu;
- Jennifer Doudna;
- Margaret Thatcher;
- Amelia Earhart;
- Rose Wilder Lane;
- Rosa Parks;
- Sofia Lonescu-Ogrezeanu;
- Madre Tereza de Calcutá;
- Valentina Tereshkova;
- Anita Garibaldi;
- Bertha Von Suthet;
- Marie Curie;
- Sabiha Gökçen;
- Chiquinha Da Silva;
- Tarsila do Amaral;
- Luggia Fagundes Telles;
- Ana Néri;
- Rachel de Queiroz;
- Maria Quitéria;
- Mary Astell;
- Celina Guimarães Viana.
Assim como esses nomes e tantos outras foram e são importantes para a história, sendo responsáveis pela mudança. Devemos lembrar que essas mulheres foram acima de tudo corajosas que as tornam empoderadas e donas de si. Se hoje podemos dizer que somos livres devemos muito a elas, pois, deram a cara a tapa para quebrar os estigmas impostos por uma sociedade opressora.
Mulher, se encoraje e se empodere. Nós somos merecedoras das conquistas até aqui auferidas.
Somos a mudança que queremos no mundo!
“A feminist is who anyone who recognizes the equality and full humanity of women and men” (Gloria Steinem).
FELIZ DIA INTERNACIONAL DA MULHER!
¹https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2020/12/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-mancha-retrato-do-brasil-em-pesquisa-global.shtml
Texto por Raiane Pieri
Arte Dayane Matos