Populismo: o idioma do poder
Por que a narrativa é tão importante? Porque ela cria vínculo, identificação. É bem possível que um especialista em conteúdo de redes, ou um crítico de romances, oriente que, para você ter sucesso com o interlocutor, é preciso ter o seu antagonista bem claro. Os filmes blockbusters têm essa fórmula bem explícita: o vilão, malvado, com a intenção nada sutil de querer dominar o mundo e matar toda a raça humana; por outro lado, o nosso herói, incorruptível: a materialização de todas as virtudes que gostaríamos de ter. Não existem nuances, nem complexidades. É confortante, de fácil compreensão e alimenta o nosso sentimento primitivo de justiça na maneira mais crua. O bem vence o mal. Fácil de julgar, fácil de defender.
Não é à toa que o populismo teve uma força tão grande na América Latina e tem ganhado força nos últimos anos em países da Europa e até nos Estados Unidos. Os grupos por trás desse avanço entenderam algo bem poderoso, responsável pela disseminação de uma ideia tão falida quanto a impressão de moeda para tirar o Estado de uma crise: é preciso dominar a linguagem para criar um ambiente favorável ao controle de poder.
Na Parte II do livro “O Embuste Populista”, escrito por Gloria Álvarez e Axel Kaiser, os autores refletem sobre como os intelectuais foram fundamentais na consolidação de regimes totalitários, justamente por adotarem o protagonismo de convencimento da população por meio do seu discurso.
“Por que a filosofia luta com as palavras? As realidades da luta de classes são “representadas” por meio de ideias “representadas” por meio de palavras. Na luta política, ideológica e filosófica, as palavras são também armas, explosivos, calmantes e venenos.” (Citação de Louis Althusser mencionada na página 82)
A obra também traz o ensaio de George Orwell, “Politics and the English Language”, que afirma que a linguagem é “a ferramenta mais eficaz para manipular as mentes das massas”. A ideia é que “se a linguagem for corrompida, o pensamento corrompe (…)”. Parece algo básico e, em teoria, de fácil percepção, mas, na verdade, a escolha das palavras em um discurso tem uma influência direta no imaginário do receptor. Para utilizar um exemplo bem prático, ao utilizar o termo “contribuinte” em vez de “pagador de impostos”, o Direito quer inferir que você exerce uma função de “ajudante” do ente estatal, e não de protagonismo. Quando se utiliza “recursos públicos” em vez de “dinheiro do pagador de impostos”, inevitavelmente, (ainda que você saiba que esse valor saia do bolso do cidadão) o termo cria uma lógica de raciocínio que é o Estado que investe na população. Entretanto, a verdade é que o povo abastece o Estado e ele tem a obrigação de oferecer o serviço.
Os intelectuais legitimam esse discurso, conforme a obra de Glória e Axel, porque querem mais impor o seu ponto de vista e seu projeto ideológico do que se certificar daquilo que realmente funciona. Eles aspiram ao seu próprio respaldo.
“ (…) toda a teoria da dependência que arruinou a América Latina durante décadas foi promovida e desenvolvida por intelectuais altamente preparados e inteligentes que buscavam posições de poder e influência”. (Página 84)
O livro é muito feliz, também, em relembrar a reflexão de Hayek de que o socialismo nunca foi um movimento de massas, mas de intelectuais, que, no mundo real, nem sentem as consequências das suas teorias fracassadas. No Brasil, não é incomum o domínio de correntes marxistas em quase todos os projetos de pesquisa. Não há quase nenhum (para não dizer nenhum) professor universitário que traga para a sala de aula algum autor liberal. Não há contraditório, há doutrinação.
Thomas Sowell, em seu livro “Os ungidos”, discorre sobre como a sociedade santifica certas personalidades, e qualquer discordância é considerada uma afronta em relação à própria essência do homem, de tudo o que é bom e sagrado. O pensamento divergente é maldito. Assim, a linguagem se transforma em uma ferramenta para dominação, com o intuito de forçar uma hegemonia cultural e ter o consentimento ideológico do controle. Não é incomum percebermos isso: a cada silêncio de pessoas públicas (sejam influencers, artistas, comentaristas, políticos) em relação à situação atual de Cuba, à ascensão do Talibã no Afeganistão, à pobreza e violência cultivada na Venezuela é possível ver o oportunismo e a hipocrisia daqueles que defendem “a paz, o amor e a igualdade entre os homens”. Para que as suas liberdades individuais sejam atendidas, é preciso pedir permissão aos nobres de espírito. É preciso seguir a cartilha do evangelho populista.
Texto por Cínthia Barbosa.
Arte Fernanda Safira.