Negócio das Arábias
Após a viagem do governo brasileiro à Expo Dubai 2020, o Ministro da Economia Paulo Guedes, em discurso junto do presidente Jair Bolsonaro, ventilou que investidores árabes estariam interessados em comprar times brasileiros. Para detalhar as falhas deste discurso, primeiro o ministro se confundiu citando o Manchester United, quando o caso de compra por fundos do Oriente Médio no Reino Unido são do Manchester United (City Football Group — Qatar) e Newcastle United (Fundo Soberano da Arábia Saudita); e os times usados como exemplos para serem comprados foram o Palmeiras, Flamengo e o Vasco da Gama.
Existem duas óticas a serem observadas sobre esta fala do ministro e entender o quão desconexas elas são: a lógica do City Football Group (CFG) e a lógica dos fundos catari e árabe.
O City Football Group é gerido principalmente pelo fundo de Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos, formado após a compra da vaga na Major League Soccer com o New York City FC, constituindo assim formalmente um grupo de investimentos em equipes.
Em 2014, compraram o clube australiano Melbourne Heart, transformando em Melbourne City FC, que foi a primeira compra oficial da formatação do grupo, expandindo para França, Espanha, Japão, Índia, Uruguai e Bélgica, sempre focando em clubes de pequeno a médio porte, com possibilidade de desenvolvimento de jovens, além de ter uma baixa dívida e sem problemas gerenciais. Além dos clubes que compraram, em quase todos os continentes, eles têm uma parceria com o Bolivar, principal clube boliviano com desenvolvimento de profissionais na equipe.
Praticamente todas as equipes do CFG tem como objetivo desenvolvimento de jovens e propagação das marcas dos Emirados, como a companhia aérea Emirates, tanto que os únicos clubes do grupo que foram campeões nacionais depois da aquisição foram o Mumbai City e Melbourne City, justamente nessa temporada 2020–2021. O único clube que tem uma gestão distinta é a cereja do bolo, que é o Manchester City.
O clube inglês tem como objetivo ser o instrumento de propagação dos Emirados Árabes Unidos, e em razão disto desde o começo não pouparam esforços em transformar o maior campeão da Championship em uma potência global. Contratações de peso que vieram a transformar a equipe figurante inglesa desde o primeiro título da Premier League em 2012 em protagonista global, chegando a final da última Champions League, sendo derrotado pelo Chelsea.
Enquanto o CFG tem os clubes para formação de base e o clube referência global, os cataris e os árabes se focaram exclusivamente em um clube e cada um em seu tempo tinha padrões semelhantes: torcida fanática, localizado numa região rica e influente, com estrutura respeitável, mas que não seja clube de topo e nem necessite de um grande entrave burocrático por conta do regimento.
A escolha do Qatar foi o Paris Saint-Germain, em 2011, e logo se tornaram a força hegemônica da França, um país que no futebol de clubes sempre ficou em segundo plano e só registra o título de Champions League do Olympique de Marseille em 1993. Com contratações de renome mundial, como Neymar, Ibrahimovic, Cavani, Mbappe e agora Lionel Messi, o PSG se tornou símbolo da força do Qatar e uma demonstração de poder ao mundo, especialmente às vésperas da Copa do Mundo FIFA a ser realizada no país.
No caso árabe, a compra é recente e ainda não surtiram efeitos práticos, mas o impacto na mídia em relação ao Newcastle mostra que foi um acerto no ponto de vista midiático para o reino saudita.
Usando como base os dois cenários de fomento de base para o CFG ou utilização como plataforma de propaganda geopolítica, em qual destes algum clube brasileiro se enquadraria? Obviamente, para fomento de base, e desta forma, seria um investimento bem menor e em algum clube de menor porte da primeira à terceira divisão, que tenha baixa dívida, estatuto sem grandes entraves e uma estrutura prévia de qualidade. Poderia ser uma Chapecoense, Ceará, Atlético-GO, clubes com uma boa base de infraestrutura e dívida abaixo de 100 milhões, fora clubes de menor patamar e divisão no momento. Mas comprar clubes altamente endividados, burocráticos e com diversos processos legais, para daí investir mais sem ter a projeção da Europa para ajudar? Não é isto que ocorre no modelo de negócio destes e nem será com o apelo de Guedes que ocorrerá.
O Brasil é um mercado que pode ser atraente para empresas globais comprarem os clubes, mas com modelos de negócios bem específicos, assemelhado com o que foi feito com Red Bull Bragantino e Cuiabá, além do que virá ocorrer com o América-MG. Já para o mercado árabe, o Brasil não é um mercado atrativo para grandes compras por não ser um player global nas relações futebolísticas e internacionais. O pragmatismo tem que ser dado nas análises, para não ser baseado puramente na torcida de que algo ocorra.
Texto por Bruno Massolini.
Arte Tailize Scheffer Camargo.