Maternidade Cancelada

POR QUE OS CONSERVADORES DEVERIAM DEFENDER O ABORTO?

Clube Damas de Ferro
6 min readOct 7, 2021

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Olá, meu digníssimo leitor. Quantidades absurdas de dúvidas pairam sob meu jovem intelecto ao buscar uma forma graciosa e exclusiva para começar o vigente texto. Infelizmente não encontrei. Portanto, nada como uma breve apresentação, simples, da forma com a qual pretendo iniciar meus argumentos. Eu sou como você e você é como eu, nada além disso.

Meu título em si é forte, talvez um tanto quanto sensacionalista, e eu espero, sinceramente, que tu não estejas assustado. Mas quando se trata de interrupção de gravidez, seja ela voluntária ou não, o assunto será desgastante e jamais será prazeroso. Muito pelo contrário, ele exige estômago e muito cérebro para absorver diferentes sugestões sobre o mesmo tema.

É certo de que você não será persuadido, já que o convencimento está muito mais relacionado com a sua predisposição ao debate do que, propriamente, com a qualidade dos meus argumentos. Seu posicionamento é intrínseco a ti e eu não pretendo muda-lo, pois mudanças bruscas e radicais não são do meu feitio. Eu não transformo nada, eu convido à reflexão. Afinal, eu sou educado e não lhe conheço, assim como você não me conhece.

Eu busco, através deste texto, oferecer uma visão conservadora. Uma perspectiva que valoriza a preservação dos valores previamente estabelecidos pela sociedade, mas que é desenvolvida a partir de uma lógica moderna de respeito ao que realmente acontece nas práticas cotidianas, de por quais motivos um feto deve ser considerado vida e, justamente por se tratar de um ser humano, o aborto deveria ser legalizado em todas as suas mais variadas e diferentes circunstâncias.

O Código Civil brasileiro é o documento que rege as normas do convívio em nosso país. Ele é a ferramenta utilizada para definir que o embrião é uma vida desde o momento da sua concepção. Não cabe a mim, meu caro leitor, e nem ao senhor, definir como ele deve ser tratado, já que qualquer caracterização ou denominação ultrapassa qualquer tipo de conhecimento que nós, indivíduos mortais e falhos, temos.

A verdade, aquilo que é ou deixa de ser, é um conceito muito amplo e complexo, cuja sabedoria é exclusiva de seres divinos, dotados de sabedoria incomparável e suprema. Sinto muito lhe informar, mas você não é Deus.

O conservadorismo, por sua vez, é uma doutrina política, econômica e filosófica com diversos sentidos e diferentes possíveis interpretações. No Brasil, ele é reacionário, preconceituoso e hostil, uma desculpa para muitos indivíduos desprovidos de respeito e amor serem algozes infantis de situações absolutamente normais como homossexualidade e respeito aos direitos das mulheres.

Já em outros países, ele tem um viés sério, respeitador e sincero. Ele valoriza as instituições e, ao mesmo tempo, crê no indivíduo, defendendo sua liberdade de ser, ter e viver.

Margareth Thatcher, a icônica representante do neoliberalismo nefasto (e um grande exemplo para este que vos escreve) apoiou publicamente a descriminalização das relações homoafetivas e a legalização do aborto.

Boris Johnson, atual primeiro ministro do Reino Unido e um dos principais símbolos da extrema direita nazifascista, prometeu banir a terapia de conversão (um nome carinhoso para a tortura ou “cura gay”), algo que é prometido há três anos, mas que, pelo jeito, deve acontecer dessa vez.

O conservadorismo é uma ideologia corrompida por competentes ataques mercadológicos dos seus opositores e maus representantes espalhados pelo planeta. É justamente através dele que é possível seguir a lógica da dama de ferro e se colocar a favor de algo que acontece, independentemente de você, meu velho amigo (ou amigo velho).

Falamos muito (muito mesmo) a respeito da manutenção e preservação das instituições tradicionais, a igreja, a escola e a família. Mas quando a criança tem nove anos e o pai é o tio estuprador, ela não existe e, quando ela não existe, não há o que defender.

Claro, meu perspicaz leitor. Eu estou ciente de que nem todo aborto acontece em decorrência de estupro. Alguns deles são fruto de uma noitada gostosa regada a entorpecentes e que, nesses casos, o casal deve arcar com as consequências dos seus atos pecaminosos. Você percebe o quão bizarro é tratar uma criança como uma forma de punição?

Ser pai, ser mãe ou ser os dois exige presença e cuidado. Nem todos podem oferecer isso. Ter um filho não te amadurece, não te muda, não te evolui. Uma criança não é um meio e nem um fim.

Esforce-se, meu caro! Seu coração e cérebro pertencem ao mesmo corpo, utilize-os em conjunto. Perceba que tratar um recém-nascido como um instrumento corretivo é sancionar a condenação de alguém que ainda nem é culpado.

Somos prudentes, pregamos a precaução e o ceticismo. Você, meu sensível leitor, não se pergunta o que aconteceria ao submeter uma criança a uma circunstância onde não existe amor, afeto e condição para proporcionar tudo que ela demanda? Três crianças são abusadas por hora no Brasil e a justiça, seja ela divina ou não, muitas vezes não acontece. Proibir o aborto é relevar a tortura psicológica e física. É condenar à morte em vida.

Sim, eu sei. A adoção é uma possibilidade linda e carinhosa de preservar e garantir amor e respeito para uma criança que, talvez, poderia nunca os ter. Inúmeros casais que não podem ter filhos buscam através do acolhimento a chance de realizarem o sonho da maternidade e paternidade. Entretanto, meu romântico leitor, o que acontece na prática não é tão prático.

Essas explicações rasas, monótonas e pouco criativas menosprezam que os pais podem ser tão jovens quanto o bebê. Pode existir um adulto sádico que vê na criança um meio para algum fim. O conservadorismo envolve jamais menosprezar a periculosidade da mente humana.

A adoção é complexa, envolve convívio, a experiência da criança, situação econômica da família e quem é a família. Além disso, temos um preconceito estrutural relacionado à adoção realizada por casais LGBT, como se eles fossem menos amorosos e servissem como má inspiração. Um juiz reacionário ou um corpo de adoção retrógrado provavelmente externalizaria o que há de mais nojento no indivíduo e demonstraria que amar e querer cuidar nunca foi o bastante.

Caro leitor, o nosso próprio sistema é um complô contra a criança em situação de vulnerabilidade. Considerando essas circunstâncias de fome, abandono e desprezo, você ama uma criança a ponto de defender que ela não exista?

Nós desconfiamos de qualquer tipo de utopismo e proibir o óbvio é uma prática revolucionária, extremamente pouco inteligente, mas revolucionária. Menos inteligente anda é acreditar que a proibição encerra qualquer tipo de problema. Muito pelo contrário, a solução torna-se porca e perigosa. Qualquer proibição não impede o ato dos ruins, mas afasta os bons e éticos, que realmente levam a lei e ordem a sério.

Coloque seus dentes em jogo, não gagueje e parta para o confronto. Se você está numa briga e seu oponente, que tem 120 kg e 1,98 de altura, não para de te espancar, a melhor decisão seria continuar sofrendo ou parar de lutar?

É um fato que a paralisação da gravidez é uma questão de saúde pública, mas ela também tem o seu viés relacionado à segurança. E não, não meu caro leitor, eu jamais imputaria crimes a fofos e indefesos bebês. E sim, óbvio que sim, o crime é uma escolha. Entretanto existem determinadas circunstâncias que facilitam determinadas escolhas.

Além do meu relato em tom de desabafo, dos meus gritos de desespero e do meu receio pelo que está por vir, uma mulher morre a cada dois dias por causa de um aborto inseguro. Você sabe quem foi a última? Você sabe qual era o nome dela?

Texto por Irineu Cavassani Netto

Arte por Fernanda Safira e Domithila de Morais

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