As armadilhas da Social Democracia para o Liberalismo

Clube Damas de Ferro
6 min readJan 13, 2022

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Ao final do Treinamento Regional de Lideranças do Sudeste, tive uma discussão interessantíssima sobre a ligação entre social democracia e socialismo. Para começarmos, acho importante ressaltar as logos dos partidos Social Democrata inglês (SDP), do Partido Socialista Francês (PS), do Partido Democrático Trabalhista brasileiro (PDT) e do Partido Social Democrata dinamarquês (Socialdemokraterne), que apesar de suas diferentes ideologias (socialista, trabalhista, e social democrata), todos estes partidos têm a rosa vermelha como símbolo.

Este símbolo, que une todos eles, foi criado em 1880, no pós-Revolução Francesa, e é um símbolo que representa o socialismo. A social democracia, portanto, tem raízes no socialismo marxista.

O socialismo com o rosto humano

O Partido Social Democrata Dinamarquês tem em seu site uma boa descrição explicando as origens da rosa como símbolo socialista, e acredito que podemos começar nossa conversa sobre social democracia por ele:

“Não há um consenso entre os socialdemocratas sobre o que o nosso símbolo da rosa realmente representa. Há, no entanto, uma série de propostas:

Comunidade (pétalas da flor)

Socialismo (sua cor vermelha)

Cuidar daqueles que são menos capazes de competir (a fragilidade)

A luta (os espinhos)

Crescimento (potencial crescente)

Pluralidade (a forma da flor)

Respeito pela natureza (uma planta)

Vida cultural (beleza)

Historicamente, a rosa vermelha se tornou o emblema de nosso partido durante a década de 70, quando os socialdemocratas dinamarqueses “anexaram” o logo do Partido Socialista francês. Para se distinguir — simbolicamente e ideologicamente — do socialismo linha dura pregado pelos partidos comunistas, os socialistas franceses colocaram a rosa sobre um punho fechado. A intenção era significar o “socialismo com o rosto humano”.

Diferente da nossa América Latina, onde o discurso revolucionário é a ideologia de socialismo vigente, os europeus rejeitaram fortemente a ideia do sanguinário modelo soviético de revolução (afinal, foi na Europa ocidental que se refugiaram muitos daqueles que fugiram dela). E é nesse contexto que surge a social democracia: como uma forma dos marxistas de atingir o socialismo gradualmente por meio da democracia.

Quando alguém na Europa Ocidental se define socialista, isso costuma significar um socialdemocrata. Se fossemos fazer uma relação direta, a ideologia dos partidos de esquerda brasileiros seria vista na Europa da mesma forma que nós do Brasil vemos o PCO.

Dito tudo isso, vamos ao elefante na sala.

Como Social Democracia pode ser socialismo se o PSDB é de direita?

A resposta para essa pergunta é bem simples, e até um pouco cômica: o modelo social democrata que discutimos até agora, como vários outros modelos socialistas antes dele, não deu certo. Seu colapso nos anos 70 e 80 levou a ascensão da nova direita e do neoliberalismo dos anos de Reagan e Thatcher.

Os social democratas agora defendiam um modelo derrotado, e precisavam se reinventar para ganhar os votos da população novamente. Para isso, incorporaram elementos de seus adversários neoliberais e chegaram num “meio termo” entre capitalismo e socialismo, o qual chamaram Terceira Via. Aos olhos dos marxistas, porém, este movimento foi visto como uma traição dos valores de esquerda.

A Terceira Via defende um conceito de socialismo mais próximo do definido por Anthony Crosland, no qual o socialismo não seria mais a luta pela abolição do sistema capitalista proposto por Marx, mas sim uma doutrina de socialismo ético que visa remover os elementos injustos do capitalismo e, assim, promover o bem-estar social.

Os grandes nomes da Terceira Via internacional são Bill Clinton e Tony Blair, que trabalharam diretamente com Fernando Henrique Cardoso na fundação de um partido da Terceira Via no Brasil, o PSDB. E este é o pulo do gato que faz com que o PSDB seja visto como exemplo de direita (ou até de extrema direita) no Brasil: este “meio termo” é um conceito importado do exterior que não refletia a realidade política brasileira. Nosso país não tinha presença ideológica significativa nem de conservadores burkianos, nem de neoliberais, mas sim uma forte base socialista revolucionária que via no capitalismo o seu grande inimigo. Num país assim, faz sentido que a esquerda brasileira entenda a Terceira Via como extrema direita, assim como veem a Tabata Amaral como de direita.

A armadilha da social democracia

É inegável que a social democracia da Terceira Via se distingue da social democracia original, a qual conhecemos hoje em dia como socialismo democrático, e que essa contém valores liberais com os quais podemos nos identificar e apoiar. Entretanto, há uma armadilha na social democracia que todo liberal deveria tomar cuidado: nunca podemos nos esquecer de que ela surgiu como uma forma democrática de implementar o socialismo de forma gradual, ou seja, ela é um modelo socialista que adotou partes do liberalismo, e não o contrário. Porque isso importa? Por dois motivos:

  1. A meta mudou, mas o método não

Apesar de ter abraçado ideias liberais e abandonado a tentativa de chegar ao socialismo marxista gradualmente, as medidas socialdemocratas acabam indo pelo mesmo caminho quando focam num estado de bem-estar social cada vez mais robusto e num Estado cada vez maior e mais centralizado. Uma boa analogia para entender isso seria a festa junina, que surgiu na Europa como uma festa para celebrar a chegada do verão. Esse significado original se perdeu para nós do hemisfério sul, mas nós ainda celebramos a festa com os mesmos costumes e na mesma data que os europeus.

Defender um estado de bem-estar social não significa necessariamente defender a social democracia. Temos um excelente exemplo de contraponto no modelo de Estado de bem-estar social dos democratas cristãos, pois ele é bem mais decentralizado. Ele prevê um papel muito menor ao Estado, contando com governantes municipais e caridades privadas, assim como famílias e comunidades de escolas e igrejas para fazer o trabalho que os socialdemocratas relegariam ao Estado.

2. A longo prazo, a social democracia irá corroer o liberalismo

Essa mudança é gradual, como esperado dos social democratas, mas ela acontece. Quando um socialdemocrata diz que “ser liberal de verdade significa também apoiar um programa social x ou y”, ou resinifica os termos liberais para a social democracia, os liberais e seus valores vão perdendo cada vez mais espaço em seu campo para o “meio termo” da Terceira Via, que por sua vez perderá espaço no futuro para os socialistas.

Esta batalha é lexical. Veja por exemplo quando a Gabriela Prioli diz que defende o menor Estado possível, mas que o menor Estado possível não significa um Estado pequeno, mas sim um Estado grande e eficiente. Ou quando a Tabata Amaral diz que ela defende o verdadeiro liberalismo, e que termo liberalismo no Brasil está erroneamente sendo atribuído a um neoliberalismo conservador atrasado.

A longo prazo corremos o risco de acontecer conosco o que aconteceu nos Estados Unidos, onde a palavra “liberal” perdeu seu sentido original e hoje representa socialdemocratas e socialistas, enquanto os liberais originais precisam agora se identificar como “liberalismo clássico” ou “libertárianismo”.

Aprecie com Moderação

A social democracia e o PSDB tiveram um papel fundamental no Brasil em defender medidas liberais e segurar o avanço da esquerda. Ela é e continuará sendo por muito tempo uma aliada dos liberais, mas também é importante reconhecer os seus limites. Uma sociedade liberal não virá por meio da social democracia, pois ela não tem em sua raiz os valores liberais. Podemos contar com ela para responsabilidade fiscal e programas sociais liberais, mas, a longo prazo, ela inevitavelmente irá concentrar mais e mais poder e controle nas mãos do Estado se não for detida (como um adendo, é importante lembrar que vimos que o Estado de bem-estar social não precisa ser necessariamente um Estado social democrata).

Meu conselho aos liberais quanto à social democracia seria “aprecie com moderação”. Tenha como aliada, mas entenda onde ela quer chegar e tome cuidado para que ela não afete os seus valores liberais no meio do caminho.

Texto por Paulo Grego.
Arte Tailize Scheffer.

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