A sociedade de Status nas cavernas de aço de Asimov

Clube Damas de Ferro
5 min readNov 8, 2021

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A imaginação humana quanto a nossa situação futura é um assunto recorrente em nossas mentes e consequentemente nas obras de arte que criamos, seja em formato de quadros, esculturas, filmes e livros. Entretanto, poucos conseguiram criar um universo tão rico e crível quanto o escritor e químico Isaac Asimov em suas obras “Fundação” e a “Série dos Robôs”, além de suas centenas de contos de ficção científica.

Como seria a vida no planeta Terra 3000 anos após o nosso tempo hodierno? Existiriam robôs funcionais? Seriam eles amigos ou inimigos? Como seria a relação entre o homem e a máquina? Nossa sociedade ainda seguiu os mesmos preceitos da tradição ocidental como o individualismo, a filosofia grega, o sistema jurídico romano e certas características da moral judaico-cristã?

Todas essas perguntas foram não somente respondidas na série dos robôs, mas consumadas em diálogos que nos fazem pensar na sociedade e na humanidade, o que nos faz humanos? Qual seria o paradeiro de nossa sociedade, seria uma sociedade de contratos ou de status?

A narrativa deste livro flui através de uma trama policial com o detetive Elijah Baley e seu parceiro robótico R. Daneel Olivaw. Assim como a maioria dos terráqueos, Elijah não aprovava os robôs, mas ao longo do romance as circunstâncias mudam, assim como seu julgamento perante o mundo. Não pretendo me aprofundar no romance policial deste livro, isto posto focarei nas bases das sociedades apresentadas em “As Cavernas de Aço”.

Asimov imaginou a Terra 3000 anos no futuro como uma civilização que colonizou cerca de 50 planetas além da Terra, sendo os planetas colonizados chamados de “mundos dos Spacers” ou “mundos exteriores”. Apesar de termos colonizado esses planetas, após centenas de anos a Terra perdeu a íntima relação que possuía com os Spacers e a Terra seguiu um desenvolvimento social diferente dos mundos exteriores. Enquanto os Spacers são ricos, com baixa densidade populacional, não abominam a tecnologia e os robôs e possuem uma relação não coletivista. A Terra é superpovoada, grande parte da população rejeita os robôs, os cidadãos não possuem uma poupança como nós conhecemos, suas cidades são quase todas coletivizadas e planificadas (sistema econômico chamado de civismo), desde as moradias até a alimentação, eles haviam desenvolvido a criação de enormes espaços auto-suficientes chamados Cidades ou Cavernas, que substituíram os vilarejos, povoados e “cidades” antigas, havendo semelhanças claras com o socialismo. Com o distanciamento entre a Terra e os mundos exteriores, a narrativa do livro começa com os Spacers não sendo mais colônias da Terra, mas povos distantes, que são, na visão dos terráqueos, extremamente egoístas e materialistas.

A partir de minha perspectiva, existem elementos da dicotomia entre as sociedades de status e as sociedades de contratos previstas pela Isabel Paterson.

Na visão de Paterson, na Sociedade de Status, ninguém tem direitos individuais, um homem se define por sua relação com o grupo e presume-se que existe apenas por permissão. O sistema de status é privilégio e submissão. As pessoas que vivem nesse tipo de sociedade passam a impressão de tempo aprisionado, passando os dias e anos pensando da mesma forma, realizando as mesmas tarefas e atividades, não se permitindo viver algo diferente, já que estariam cumprindo a função no crescimento da determinada sociedade. Todavia existem algumas diferenças entre as sociedades de status de Paterson e as cavernas de Asimov. As cidades de aço são tão definidas pelos status que os indivíduos são classificados em rankings, aqueles com cargos mais prestigiados (de forma quase arbitrária ou que tenha relação com a política em si) possuem privilégios como comida orgânica e banheiro privado, uma espera menor nas filas, enquanto aqueles com classificações menores ou desclassificados têm que se conformar com a mais pura coletivização de bens e de convivência.

Esse sistema possui certa semelhança com a visão socialista ou um sistema socialista burocrático em que o simples fato de morar em uma cidade moderna assegurava as mínimas condições de subsistência, até mesmo para os que fossem completamente desclassificados. Mas, assim como no socialismo, há uma impressão generalizada de escassez e uma decadência iminente. A demonstração de status não era bem vista, já que ironicamente ostentar status é considerado o cúmulo da indelicadeza. Estava em voga os atuais escritores políticos recordam o passado, reprovando presunçosamente o “fiscalismo” (referência ao capitalismo) dos tempos medievais, quando a economia se baseava em dinheiro, a luta competitiva pela existência, dizem, era brutal. Segundo seus pensamentos, nenhuma sociedade verdadeiramente complexa podia ser mantida por conta da pressão ocasionada pela eterna “luta pelo trocado” (explícita alusão à luta de classes). Em contrapartida, o “civismo” moderno foi muito exaltado como sendo eficiente. Nesta sociedade de status um cidadão não poderia escolher sequer do que se alimentar, muito menos escolher seu próprio destino (levando em conta as limitações exteriores), mas seus intelectuais continuavam a exaltar as cidades, por mais limitadas e problemáticas fossem.

Os escritos de Asimov eram recheados de tecnologia e máquinas autônomas, que eram chamados de robôs. Para evitar qualquer tipo de reação violenta e rebeliões dos robôs eles criaram as três leis da robótica, que seriam:

· 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.

· 2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei.

· 3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.

Todos robôs, sem exceção, possuíam essas leis embutidas em seu sistema, que dava a sensação de segurança aos humanos. Apesar disso, os terráqueos, não obstante seu desprezo pelo individualismo fiscalista, desprezavam os robôs porque “eles roubam os empregos dos homens, trabalham em troca de nada e, por causa disso, famílias têm que morar nos abrigos e comer purê de levedura cru”.

Esta afirmação não é exclusiva da população da cidade, pois na Terra em que vivemos (não ficcional) ouvimos esse discurso pelos mesmos coletivistas, socialistas, trabalhistas e defensores (mesmo não conscientes) das sociedades de status. Quando nós olhamos para a realidade factual, quase 150 anos de história comprovam empiricamente que o aumento de tecnologia e maquinários gera muito mais emprego do que destrói, aumentando a produtividade e melhorando a qualidade de vida da classe mais baixa, empregos novos sempre são criados.

Ao passo que os terráqueos trilham o caminho da servidão, os planetas exteriores aumentam cada vez mais sua qualidade de vida. Sua mentalidade é aberta e enérgica a mudanças, mas conscientes da importância de certas instituições que os levaram até onde estão e tornaram sua sociedade uma sociedade aberta.

Sejamos como Elijah:

“Você é um homem prático, Elijah, você não olha de um modo romântico para o passado da Terra, apesar do seu interesse saudável por ele. E tampouco abraça a cultura da cidade, como ela é na Terra dos dias de hoje. Achamos que pessoas como você é que poderiam levar os terráqueos às estrelas de novo.”

Sou cético quanto a longevidade da civilização humana como existe hoje, mais cético ainda de que estarei vivo para conferir que rumo tomamos, entretanto, obras como essa me fazem pensar no que é essencial para o ser humano e em sonhar com terras longínquas.

Afinal, nosso destino será estar preso à Terra ou a navegar através dos mundos exteriores?

Texto por Gustavo Querino.

Arte Domithila Novach.

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