A falácia do serviço público
No livro The God of the Machine, de Isabel Paterson, existe a discussão da problemática em que as empresas supostamente levaram a corrupção para a política. Segundo a autora, tal argumento surgiu durante o período da guerra civil nos Estados Unidos, onde o governo federal financiou ferrovias, via concessões de terra e subsídios em dinheiro, causando revolta aos antigos proprietários destas terras. Porém, ela contraria esse argumento com o fato de que os negócios de uma empresa tem como base fundamental a relação entre produção e demanda do comércio, sendo a liberdade comercial essencial para o desenvolvimento e crescimento de uma empresa. De acordo com Paterson, um empresário — em um Estado hipotético — sem interferência do Estado, não precisa de permissão para produzir, para isto, basta o capital e a demanda do consumidor. Por outro lado, a política detém o poder de expropriar e proibir que um empresário, por exemplo, produza em sua empresa, ao fazer exigências burocráticas para permitir o funcionamento da empresa, propiciando uma relação de corrupção, pois, para garantir a produção, o empresário provavelmente aceitará ou oferecerá suborno ao governo.
Quando a política interfere na iniciativa privada, transformando ou criando uma empresa estatal, interfere na livre concorrência de mercado, pois mesmo que uma pessoa não desfrute ou tenha acesso ao produto ou serviço oferecido, por exemplo, a energia elétrica ou o sistema de saneamento básico, ela paga por esses serviços através dos impostos, não tendo escolha de não pagar, podendo sofrer punições do governo e não havendo possibilidade de escolher outra forma de acessar os serviços por meio de outra empresa. Além de não aumentar a concorrência, dificultando que uma empresa privada possa disputar com os recursos arrecadados dos impostos obrigatórios pelo governo, sustentam uma empresa estatal.
A propriedade pública também é discutida no livro. Paterson, inicia a discussão contrariando tal ideia, refutando a famosa frase de Proudhon, que “Toda propriedade é um roubo” com o argumento que para ser um roubo um objeto ou coisa precisa necessariamente pertencer a alguém antes de ser roubado. Segundo ela, a propriedade pública é uma ficção e, utilizando conceitos físicos, ela pontua ser fisicamente impossível que todas as pessoas de uma cidade ou país ocupem um espaço “público” ao mesmo tempo, como uma praça ou uma estrada. Se todos não podem usufruir de um espaço público, seja ao mesmo tempo, ou por qualquer outro motivo em que não é permitida a entrada da população comum, tecnicamente estes ambientes não são públicos no sentido de qualquer cidadão ter livre acesso de circulação, eles apenas são públicos economicamente, pois é a população que sustenta as despesas dos custos de manutenções que financiam a possibilidade de funcionamento dessas propriedades.
Há uma contradição entre os direitos civis idealizados pelos coletivistas para serem aplicados em uma sociedade, pois em tal sociedade imaginada não há individualidade, logo é impossível formular qualquer direito pensando no indivíduo. Todo direito proposto e possível para tal sociedade é construído pensado única e exclusivamente no todo, na coletividade. De acordo com Paterson, “Com a propriedade estatal, nada pode ser feito, exceto por ordem ou permissão”, o que faz sentido, pois em uma sociedade que prioriza o coletivo e exclui o indivíduo toda a ação do indivíduo deve ser pensada e feito para não prejudicar o coletivo na teoria, porém, na prática, o governo impõe isso ao indivíduo.
Por ser uma jornalista espera-se de Isabel Paterson um maior aprofundamento e seriedade em seus argumentos, porém ela comete graves erros, alguns preconceituosos, ao se referir às sociedades não ocidentais, por exemplo, e as sociedades indígenas da América do Norte, utilizando conceitos, classificações e argumentos considerados ultrapassados pelos antropólogos modernos e contemporâneos. Além disso, a abordagem de Peterson não é convidativa no sentido metodológico, pois frequentemente ela recorre a vocabulários e metáforas de cunho industriais, físicos e matemáticos para exemplificar muitos de seus argumentos, o que, em algumas ocasiões, deixa o texto muito técnico, mas com pouco desenvolvimento e sem argumento consistente.
Apesar disso, Isabel Paterson foi uma importante disseminadora das ideais pró-liberdade da sua geração, inspirando e motivando outros autores a se juntarem ao movimento, com o seu forte posicionamento contra regimes autoritários que pregavam o coletivismo em seus governos e indo contra o auto sacrifício dos indivíduos.
Isso faz com que a obra The God of the Machine seja uma leitura desafiadora, por exigir que o leitor tenha um breve conhecimento sobre as questões mencionadas no livro para compreender e identificar quais conceitos utilizados pela autora foram “abolidos”, principalmente se tratando da área antropológica.
Texto por Camilla Miranda.
Arte Dayane Matos.